PROTAGONISMO EMPRESARIAL DAS MULHERES
Jacques Marcovitch*
Se alguém, no futuro, escrever sobre o empreendedorismo brasileiro no século XXI, contemplará expressivo número de mulheres, certamente encabeçado por Luiza Trajano, compondo o rol de personagens a serem biografadas. Mas, no início deste milênio, quando foi concebida a trilogia Pioneiros & Empreendedores focada principalmente no século XIX, a memória empresarial no Brasil era quase uma ilha masculina. Somente a partir dos anos 1970 a mulher brasileira começou a ganhar protagonismo no universo empresarial.
Este breve artigo compartilha uma descoberta que remonta aos anos 1800, quando um dos grandes pioneiros do agronegócio no Brasil, Luiz de Queiroz, dividiu a construção do seu legado – hoje a Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz em Piracicaba – com a sua parceira de vida Ermelinda de Souza Queiroz. Esta dama paulista distinguiu-se em seu meio pela sólida cultura, autonomia de pensamento, domínio de idiomas e seguidas viagens ao exterior em busca de novos conhecimentos. Todos os indícios levaram-se ao fato de que ela teve relevante papel nas escolhas e decisões do esposo.
O seu exemplo leva a propor que os Centros de Memória Empresarial passem a buscar, nas entrelinhas dos estudos já publicados e fontes diversas, casos encobertos de protagonismo da mulher brasileira construindo legados marcantes na história social.
A fonte desta breve memória de Ermelinda foi o manuscrito referido em discreta nota de pé de página no livro de Joseph Love (1982) A Locomotiva – São Paulo na Federação Brasileira. O rodapé 2 mencionava uma autobiografia escrita a mão por Eugéne Davemport, professor contratado por Luiz de Queiroz nos EUA para ajudá-lo a planejar a Escola Agrícola.
Eugéne Davemport e sua esposa, de setembro de 1891 a abril de 1892, hospedaram-se na sede da fazenda São João da Montanha, adquirida para ali instalar a Escola Agrícola. Dona Ermelinda emerge, nos manuscritos do professor, com a imagem de uma dama letrada, culta, senhora de suas opiniões. Um tipo raro nos lares da época.
Luiz de Queiroz e sua esposa são tratados, ele como homem notável e ela como intelectualmente requintada. Davemport realça os conhecimentos de Ermelinda e sua contribuição ao êxito do marido como empreendedor e para a viabilização do seu sonho.
A memória empresarial do século XXI não deve cingir-se à busca de outras Ermelindas no passado, mas de suas sucessoras no presente que servirão de exemplos futuros. O legado que o Brasil herdou do casal Queiroz, a Escola Superior de Agricultura da USP em Piracicaba, hoje aparece, conforme o ranking US News, entre as cinco melhores instituições de Ciências Agrárias em todo o mundo. Nela, o protagonismo feminino se expressa no fato de que, em 2018, dos 337 pós-graduados, 53 % são mulheres com uma tendência para o aumento desta participação.
*Jacques Marcovitch é autor da trilogia Pioneiros & Empreendedores. (EDUSP 2003/2005/2007) e curador da exposição Pioneiros e Empreendedores: A Saga do Desenvolvimento no Brasi, a se realizar de setembro a novembro de 2019 no Palácio dos Campos Elíseos em São Paulo.