Legado, Memória e Sucessão das Famílias Empresárias, por Renata Coutinho

Lendo a reportagem sobre a transformação da oficina Brennand num Instituto fiquei curiosa sobre a história dessa família de empreendedores. Ricardo de Almeida Brennand, pai de Francisco, começou a primeira fábrica de cerâmicas da família em 1917 — a Cerâmica São João em Recife. Mas foi Francisco que, aproveitando seu legado fabril ceramista, encontrou espaços vazios para produzir sua arte. Francisco transformou a oficina, antiga fábrica de tijolos e telhas, num Instituto para abrigar seu acervo artístico e para se tornar um centro cultural. Falecido em 2019, sua sobrinha-neta Marianna está à frente do Instituto Brennand com o objetivo de amplificar e potencializar o legado da família.

Os empreendedores de sucesso conseguem através de suas empresas realizar seu sonho. Mas como transferir esse sonho para as próximas gerações? Nem sempre os fundadores têm o desprendimento e clareza de Francisco quando afirmou: “A minha parte está feita, e foi feita com minha alma de artista, intransferível. Agora, é com as novas gerações” *

Sabiamente Francisco compreendeu que mais do que um criador ele era provedor de um legado para as próximas gerações. É um processo difícil de desapego de acordo com o professor John Davis, um dos principais pesquisadores no mundo sobre o tema. Fazer essa transição da identidade de criador para a identidade de referência de um legado pode ser fundamental no planejamento da sucessão e na sobrevivência dos empreendimentos familiares.

Embora as empresas familiares sejam a maioria no Brasil e no mundo, poucas são as que sobrevivem da 3ª geração em diante.  Todos conhecem a frase `Pai rico filho nobre e neto pobre´ que reflete através de um ditado popular a `regra de três gerações´. A sucessão é sempre um fator crítico na longevidade dos negócios familiares.

A partir da 3ª geração há um natural crescimento da família e pulverização da propriedade. A entrada de novos membros através de casamentos também traz uma complexidade para o universo dos empreendimentos familiares. Daí a necessidade de a família empresária se alinhar como grupo de sócios na busca de preservar seu legado.

Os valores presentes nas histórias dos fundadores ou gerações anteriores são a referência que os herdeiros tanto precisam principalmente a partir da 3ª geração. É através da história comum, seus valores e a identidade compartilhada que os herdeiros podem se unir num propósito e alcançar maior potencial como grupo empresarial. Os investimentos na memória empresarial como projetos institucionais, registros históricos, comemorações, homenagens têm, portanto, um papel importante neste processo.

Com o olhar na longevidade, cada nova geração precisa ser guardiã e ao mesmo tempo imprimir sua marca empreendedora de alguma forma. Hoje no contexto do mundo VUCA (em inglês volátil, incerto, complexo e ambíguo) em que vivemos, com o ciclo dos negócios cada vez mais curtos, a necessidade de inovar torna-se mais latente.

Ancorados na história comum que evidencia seus valores e conhecendo suas raízes, as novas gerações podem buscar inspiração para agir no presente e potencializar seu legado no futuro. Como diz o professor John Davis “Uma família empresária de sucesso evolui na sua missão, guiada pela sua visão e fiel a seus valores, de geração em geração.”

*https://cultura.estadao.com.br/noticias/artes,brennand-transformou-em-instituto-o-espaco-que-abriga-sua-obra,70003131957

Renata Coutinho é consultora associada ao Cambridge Family Enterprise Group (CEFEG) e membro do conselho consultivo de Governança e Compliance da ACRJ (Associação Comercial do Rio de Janeiro). Atua ainda como professora na área de Organizações e Gestão de Empresas Familiares da PUC/RJ, desde 2008, além de ser consultora do Núcleo de Empresas Familiares no IAG/PUC-RJ e coordenadora dos cursos de Gestão Estratégica de Empresas Familiares e IAG MBA Management.